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Resenha Crítica

  • Foto do escritor: Margarida Vicchietti
    Margarida Vicchietti
  • 2 de jul.
  • 5 min de leitura

O SER e a valorização do Fator Ambiental

Ensaio Crítico de “A Teoria Winnicottiana do Amadurecimento como Guia da Prática Clínica” de Elsa Oliveira Dias.

Por Margarida Maria Vicchietti

INTRODUÇÃO

            A autora nos conduz a reflexões em torno da Teoria do Amadurecimento de Winnicott, e de como seus elementos podem guiar a prática clínica analítica. Aquela que pode ser considerada a espinha dorsal de toda a teoria e da clínica winnicottiana, está estruturada em torno da observação e do entendimento dos processos de amadurecimento, e da combinação de forças ou tendências naturais ao desenvolvimento psíquico e de influências ambientais, que podem potencializar ou prejudicar o desenvolvimento normal, originando o que podemos chamar de patologias psíquicas. A autora nos mostra as principais concepções da Teoria do Amadurecimento e destaca os principais aspectos que fundamentam as práticas analíticas winnicottianas.

            Este ensaio tem por objetivo destacar os principais pontos trazidos pela autora do texto e discutí-los, com base em dados biográficos de Winnicott e aspectos teóricos de outros autores.

 

SOBRE A TEORIA DO AMADURECIMENTO E SUA APLICAÇÃO CLÍNICA

 

            A questão do correto diagnóstico, para uma conduta bem orientada, é o primeiro aspecto importante do texto de Elsa Oliveira Dias.

Lembremos aqui que Winnicott era médico, e como tal, aparentemente pensava o diagnóstico dos distúrbios psíquicos seguindo a lógica da clínica médica e do raciocínio clínico, ou seja, é necessário conhecer o “normal” para entender a patologia. Nesta linha de raciocínio, o diagnóstico correto é de fundamental importância para o manejo clínico.

A Teoria do Amadurecimento está baseada em algumas concepções. Uma delas é de que todo ser humano é dotado de uma tendência inata ao amadurecimento e a formação de uma unidade que integra vários elementos aprendidos das experiências vividas. Mas, para que a criança consiga executar suas tarefas de vivências, aprendizados, integração e amadurecimento, é necessário que o meio ambiente seja facilitador. Segundo Winnicott, este processo de amadurecimento tem início em algum momento após a concepção e não cessa até a morte.

Aqui, seria importante pontuar que os registros biográficos de Winnicott, dão conta de que ele foi fascinado por Darwin quando ainda jovem. Podemos traçar um paralelo entre a Teoria da Evolução de Darwin e a Teoria do Amadurecimento de Winnicott. Em Darwin, a tendência à evolução é também natural, inata, mas é o indivíduo que deve se adaptar ao meio, caso contrário se extingue. Em Winnicott, podemos pensar o ambiente tendo que se adaptar ao bebê, caso contrário, este se “extingue” no sentido de sua capacidade de SER e EXISTIR.

Atualmente a concepção de saúde da Organização Mundial de Saúde e do Ministério da Saúde, vai além da ausência de doenças, e inclui o bem-estar físico, mental e social. A autora nos lembra, que este pensamento (muito antes da definição atual da OMS) atravessou todos o pensamento de Winnicott. Ainda sobre este aspecto, vemos no texto que não há aspectos saudáveis ou patológicos da existência humana, cuja origem e sentido, seja independente do momento do processo em que se encontre este indivíduo. A noção de saudável ou doente, depende do momento e da fase do processo de desenvolvimento, que é contínuo.

            A Teoria do Amadurecimento de Winnicott, descreve quatro tarefas básicas do processo de amadurecimento que um ser humano precisa cumprir: a integração no tempo e no espaço, a habitação da psique no corpo, estabelecimento de relações objetais e a constituição de si-mesmo. Estas tarefas se iniciam nos estágios iniciais do desenvolvimento e seguem sendo tarefas fundamentais durante toda a vida. Portanto, não são de natureza instintual, e sim identitária. Estas tarefas não seguem uma lógica exatamente linear, mas para que tenham sucesso no estágio em que se encontram, é necessário que os estágios anteriores tenham sido cumpridos satisfatoriamente. Se as tarefas de um estágio anterior não tiverem sido resolvidas, o processo de amadurecimento pessoal pode ser paralisado, e então um distúrbio emocional se forma. Aqui, podemos lembrar e comparar com a teoria Freudiana do Desenvolvimento Psicossexual, no tocante às fixações.

            Portanto, um dos desafios da prática clínica psicanalítica é identificar o estágio em que o fenômeno que gera o sintoma teve sua origem. Qual foi o fracasso ambiental e em que etapa do desenvolvimento estava o paciente. Em que momento, a criança perdeu a esperança de comunicar ao ambiente que algo estava mal e então ergueu uma reação defensiva. Estas respostas podem se apresentar durante os momentos da relação transferencial com o analista. Elsa Oliveira nos lembra a pergunta, tirada da fala de Winnicott (1958, p.263) “Um dos problemas mais difíceis de nossa técnica psicanalítica, consiste em saber qual a idade emocional do paciente num dado momento da relação transferencial”.

            Uma vez determinado o ponto de origem, cabe ao analista oferecer um ambiente suficientemente bom, para que o paciente conclua a tarefa mal sucedida anteriormente à instalação do trauma.

            Elsa Oliveira nos leva ainda a pensar diferenças entre neurose e psicose à luz da Teoria do Amadurecimento. Cita os primeiros meses de vida, até cerca de 1,5 anos como a época em que o bebê deve cumprir as tarefas até o estágio de EU SOU. Um ambiente que não favoreça o cumprimento das tarefas deste estágio pode gerar interrupções e traumas que levem á psicose. Ainda nesta fase, ela cita que as descontinuidades do ambiente necessitam ser toleráveis, caso contrário o bebê se defenderá se colocando em estado constante de alerta, erguendo um falso-self, à base de sua renúncia à criatividade e espontaneidade. Até mesmo as tensões instintuais, podem ser percebidas por ele como intrusivas caso não sejam atendidas em tempo adequado. Sendo assim, as experiências de corporeidade que deveriam ser integradas, favorecer a coesão psicossomática e fortalecer o EGO, são entendidas e sentidas como intrusivas, gerando disposição para paranoias como hipocondria e sintomas persecutórios. Nestes casos, é de fundamental importância manejar e favorecer uma certa regressão do paciente à dependência, onde o analista possibilite a vivência de experiências primitivas, e desta vez, oferecer um ambiente (setting) de suporte para o amadurecimento.

            Ainda sobre os fenômenos com elementos psicóticos, Winnicott afirmava que eles podem emergir de qualquer tipo de paciente e se manifestar na relação transferencial com o analista à medida que o setting for confiável.

Os distúrbios neuróticos, podem ser atribuídos às fases posteriores ao EU SOU, a partir de cerca de 2 anos de idade, quando a criança tem a tarefa de integrar sua agressividade. A mãe (ambiente) deve sobreviver aos ataques instituais da criança, que neste momento, lida com as ansiedades de ambivalências na relação com outras pessoas (amor x agressividade) e já é capaz de sentir culpa. O ambiente deve ser seguro e estável para que esta tarefa se cumpra e este indivíduo não sucumba em sintomas neuróticos.

 

CONCLUSÃO

À luz da Teoria do Amadurecimento, a autora nos conduz à fundamental importância de um exame atento, por parte do analista, das fases de desenvolvimento do paciente. Este exame, possibilita o correto diagnóstico, sem o qual, o tratamento não se desenvolve.

 

Referências

BRETT, K. A Vida e a Obra de S.W. Winnicott. Exodus Editora, Rio de Janeiro, 1997.

 

EIZERIK, C.L.; AGUIAR, R.W.; SCHESTATSKY, S.S. Psicoterapia de Orientação Analítica: fundamentos teóricos e clínicos. 3ª edição. Porto Alegre: Editora Artmed, 2015.

 

FREUD, S. (1890 – 1937) Fundamentos da Clínica Psicanalítica. Tradução: Claudia Dornbusch. 2. Ed; 4. Reimp. Editora Autêntica. Belo Horizonte, 2021. Obras Incompletas de Sigmund Freud; 6.

 

DIAS, E. O. A Teoria Winnicottianna do Amadurecimento como Guia da Prática Clínica. Nutureza Humana 10 (1): 29-46, jan-jun 2008.

 

RENTES, R. Os meninos de Heliópolis: o ser e fazer de adolescentes em conflito com a lei e a sintomática criminal. 1ª edição. Curitiba: Editora Appris, 2022. P 105 – 118.

 

WINNICOTT, D. W. A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

 

1958c [1956]. A tendência antissocial. In Winnicott (1984a), Deprivation and Delinquency. Londres: Tavistock Publications Ltd. Trad. bras., Privação e Delinquência. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

 

 

 

 
 
 

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